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Explorando as interações da microbiota e seu impacto na reprodutibilidade dos resultados experimentais.

A despeito do tempo em que animais são utilizados na experimentação científica, somente no final do século passado e início deste, houve um esforço globalizado para que critérios relacionados com a qualidade fossem priorizados.

Iniciativas focadas na padronização dos modelos animais, fortaleceram as ações voltadas para a universalidade e reprodutibilidade experimentais, o que reduziu tanto o uso de animais quanto a realização de experimentos cruéis e desnecessários, ao mesmo tempo em que priorizaram o bem estar animal.

Desta forma, desde 1959, quando foram estabelecidas a política dos 3Rs (Redução, Refinamento e Substituição de animais em experimentação), a comunidade científica tem se mostrado preocupada com o uso responsável de animais na pesquisa biomédica, promovendo mudanças sistemáticas na aplicação e no desenvolvimento de técnicas mais éticas, menos invasivas e com maior qualidade. Paralelamente a estas mudanças começaram surgir questionamentos acerca dos dados obtidos e a sua reprodutibilidade, pois foram relatadas falhas na replicação dos resultados in vivo, mesmo com o uso das mesmas metodologias e procedimentos analíticos. Isso pode ocorrer devido a falhas no delineamento experimental, falta de validação nos processos, e interferências de variáveis latentes que possam influenciar na fisiologia do animal, em sua resposta imune, ou mesmo no seu comportamento, tais como o macro e microambientes inadequados.  

Fatos como estes incentivaram, mais recentemente, o surgimento de novas ações como o ARRIVE (Animal Research: Reporting In Vivo Experiments), uma iniciativa do NC3R’s (National Centre for the Replacement, Refinement & Reduction of Animals in Research), que publicou um conjunto de medidas para melhorar o desenho, a análise e o manuscrito, possibilitando aumentar a confiabilidade nos resultados experimentais e evitar estudos desnecessários. Entre as Diretrizes presentes no Guia ARRIVE está o uso de animais certificados, pois estes aumentam a reprodutibilidade e universalidade experimentais. O forte apelo da Sociedade Civil organizada, aliado aos anseios da Comunidade Científica de todo o mundo, culminaram com a aceitação das Diretrizes pela Academia que passou a recomendar a sua aplicação. Atualmente as Diretrizes são endossadas por revistas científicas de grande impacto, como a Nature; a PLOs e a The Cell, entre outras e também por agências de fomento e por diversas sociedades e associações científicas.

Todas estas ocorrências estimularam instituições e pesquisadores a buscarem soluções para minimizar os impactos nos resultados, e o caminho escolhido foram as padronizações; as normativas; as diretrizes; os manuais; as metodologias e os cuidados, que vão desde o manejo do animal de laboratório, até a sua microbiota, sendo esse último, de fundamental importância devido às ações interativas com seu hospedeiro. 

Explorando a dinâmica da microbiota e seu hospedeiro, seja ele animal ou humano, devemos pensar que ambos evoluíram com o tempo, assim como sua interatividade. Neste sentido, é lícito pensarmos que ambos impõem uma força seletiva constante e definitiva um no outro, ou seja, há uma seleção evolutiva compartilhada cujo resultado é a consolidação de mecanismos interativos cada vez mais complexos. A microbiota pode ser definida como um grupo de microrganismos, sejam eles bactérias, fungos, protozoários e até mesmo vírus que não conseguem se reproduzir sozinhos, encontrados em um determinado ecossistema ou organismo. Eles podem habitar a boca, a pele e principalmente o intestino.

Recentemente, a microbiota intestinal foi referida em diversos artigos, como uma grande moduladora nos resultados experimentais, isto porque a mesma pode regular o metabolismo e a digestão e influenciar diretamente o sistema nervoso e imunológico.

Prejuízos na interação entre os organismos poderão conduzir a falhas na homeostase em decorrência da perda da simbiose que deixará de existir. Neste caso o hospedeiro não se beneficiará, por exemplo, com a ação de bactérias residentes no intestino que são responsáveis pela síntese de proteínas e vitaminas. Existe, portanto, a possibilidade de organismos da flora passarem a ter um papel antagônico, ou seja, uma antibiose que afeta o organismo negativamente alterando o seu estado fisiológico.  

Pouco se sabia sobre a correlação da microbiota humana com a de animais de laboratório, no entanto, estudos utilizando modelos experimentais (camundongo) têm mostrado a forte relação e importância destes microrganismo na pesquisa, mesmo que apenas 15% dos genes bacterianos sejam compatíveis entre roedores e humanos.

Choi 2018, por exemplo, refere que a administração da bactéria Proteus mirabillis foi capaz de induzir diretamente os sintomas de Doença de Parkinson, causando danos neuronais dopaminérgicos em camundongos. Esse trabalho não só indica que pode haver uma correlação em pacientes acometidos pela doença, como também do ponto de vista científico e experimental, pode indicar interferências em resultados comportamentais de roedores durante ensaios não relacionados à doença.

Outro trabalho foi capaz de relacionar essa mesma bactéria como tendo ação antitumoral, e, de acordo com Zhang 2017, camundongos portadores de tumores 4T1 (carcinoma mamário) infectados com Proteus mirabillis apresentaram diminuição da massa tumoral, sugerindo que a bactéria seria capaz de induzir, por mecanismos ainda não elucidados, a morte do tecido.

Com diversos artigos evidenciando a influência da microbiota na experimentação animal, levanta-se a seguinte pergunta:
Até que ponto conseguimos reproduzir resultados confiáveis sem controlar a microbiota latente do camundongo? 
Qual deverá ser o status sanitário do meu animal?

Mesmo utilizando animais classificados como Specifc Pathogen Free (SPF), ou Gnotobióticos ou até mesmo Germ free, alguns autores relatam não conseguirem atingir a reprodutibilidade esperada. Desta forma, talvez o melhor caminho seja conhecer a microbiota do seu animal, e também gerar condições ambientais que criem barreiras sanitárias, a fim de evitar a contaminação dos modelos ao longo de toda a experimentação.

A pesquisa biomédica usuária de animais de laboratório é bastante complexa e exige que se considerem cuidadosamente elementos como o desenho experimental; a seleção dos modelos (estes cada vez mais sofisticados); o local da manutenção dos animais e outras questões específicas relacionadas com a pesquisa. Todos estes componentes são indispensáveis para garantir a reprodutibilidade e a universalidade da pesquisa, assegurando a sua relevância.

É importante que possamos sempre contar com o desenvolvimento de novas metodologias de validação ou mesmo o aprimoramento das existentes, e que estas metodologias contem com o apoio das Instituições; de órgãos e agências de apoio à pesquisa e também dos periódicos, para que todos juntos, estabelecessem em quais intervenções ou circunstâncias estes interferentes (microbiota adquirida ou residente) poderiam gerar prejuízos e qual é o seu impacto para a pesquisa biomédica.

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     Bibliografia consultada:

  • Choi, J.G., Kim, N., Ju, I.G. et al. Oral administration of Proteus mirabilis damages dopaminergic neurons and motor functions in mice. Sci Rep 8, 1275 (2018). 
    Kostic, A. D., Howitt, M. R., and Garrett, W. S. (2013). Exploring host-microbiota interactions in animal models and humans. Genes Dev. 27, 701–718 (2018).
    Letson, H.L., Morris, J., Biros, E. et al. Conventional and Specific-Pathogen Free Rats Respond Differently to Anesthesia and Surgical Trauma. Sci Rep 9, 9399 (2019).
    Malcolm Macleod, Swapna Mohan, Reproducibility and Rigor in Animal-Based Research, ILAR Journal, , ilz015 (2019)
    Turner, Patricia V. “The role of the gut microbiota on animal model reproducibility.” Animal models and experimental medicine vol. 1,2 109-115. 28 Jul. (2018).
    Zhang H, Diao H, Jia L, et al. Proteus mirabilis inhibits cancer growth and pulmonary metastasis in a mouse breast cancer model. PLoS One. (2017). 

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